Conto: Folhetim
 



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Conto: Folhetim

Jacira Fagundes




FOLHETIM



Fim de festa. Ela se afasta da coluna onde esteve apoiada, desde o desentendimento com o namorado. Um chato. Por sorte, fora embora sem aviso. Abaixa-se e deposita no chão, encostado à parede, o copo pela metade. Vá que alguém se machuque. Ela se impõe este cuidado. Mas há poucos alguéns à volta. Fim de festa.
O homem se aproxima.
Vem comigo, ele sussurra ao seu ouvido. Tem aspecto atrevido, voz de mando. Ela obedece. Ele a dirige com a mão firme em seu braço.
Não estou bêbada, só entediada, ela diz. Ele repete, mais forte agora: você vem comigo.
No carro, ao lado do homem, ela deita a cabeça e cantarola Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem sim, por uma coisa à-toa... Ele a interrompe: Eu te quero. Agora.
São três lances de escada até o JK. Ele aponta para o banheiro enquanto entorna o líquido nos dois copos até a borda. Ela volta enrolada na toalha, sorve dois goles da bebida e lhe devolve o copo. Ele a abraça e retorna o líquido aos lábios dela. Logo, ambos os copos, estão vazios.
Ele a afasta um pouco. Só o tempo de alcançar a gaveta da cômoda e tirar de lá um anel prateado.
É seu, ele fala.
Meu?- ela surpreende-se, e experimenta o anel no anular.
Gostei de você, ele diz, antes de retornar às carícias.
Costuma presentear suas conquistas? ela indaga.
Você é que me conquistou. Considere um troféu, por me ter conquistado.
Jogo careta, ela pensa.
Já não lhe interessam os motivos dele. Ela encara o jogo com refinamento.
São mãos que torturam, unhas que ferem, dentes que se agridem, e que provoca em ambos uma explosão de sensações perturbadoras e incontroláveis.
Mas logo, o corpo dela, feito um réptil escorregadio- lânguido- úmido-quente promete trazer de volta todo o prazer louco, enquanto a boca alardeia elogios falsos, os lábios encostados no peito do homem molhado de suor.
Ele a conduz em confiança, convencido que a possui, sem condições ou reservas.
Sim, sim, sim, ela balbucia num êxtase duvidoso.
Assim, assim, assim, ele se envaidece do próprio êxito.

Ela acorda ao lado do homem. Veste-se no banheiro. Observa-se no espelho e, por instantes, faz rolar o anel no anular. Desconfia do sentimento que lhe chega a galope – aprecia o gesto, aprecia o anel. Mas agora diz não.
Retorna ao quarto. O homem ainda dorme. Ela abre a gaveta da cômoda e desiste, sem remorsos, da delicada prenda. Mais uma vez, vencida pelo tédio, deita um olhar desencantado sobre as demais joias ordinárias que ocupam a gaveta.
Ao sair, cuida de não provocar ruído com o trinco da porta. Vá que acorde, ela pensa.
Deixa a porta encostada.



 

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